O Vento e o Mar

Corre ligeiro por cima das ondas, carregando suspensas partículas do mar. Sustenta em seu colo a ave faminta e permite que esta mergulhe para saciar-se. Adentra na mata perdido, buscando caminhos por onde passar. Penetra as narinas do cego, que, no mesmo instante, percebe e contempla a presença do mar.

Feliz Natal

Era apenas um menino que adorava brincar quando não ajudava o pai no seu ofício. Um dia, no seu aniversário, foi buscar madeira no bosque e encontrou o amigo. Brincaram muito, sem perceber o tempo passar. Voltaram tarde, já temendo o castigo. O amigo era Pedro e o menino Jesus.

O Bom Dom

Caminhava com um jeito maneiro, anunciando sua alegria. Era o começo do dia, mas não se sabia se para ele era isto ou uma noite sem fim. Por onde passava sorria e falava bom-dia, deixando em seu rastro um pouco de si. Não era o dia, ele simplesmente era assim.

TEMA: Ladrão de Filé

No intuito de estimular a volta dos colaboradores do blog e até mesmo de agregar outros mais, tive a idéia de tornar a coisa um pouco mais interativa e desafiante.

A idéia é a seguinte, o tema está lançado: Ladrão de Filé (idéia do meu querido amigo Dedé - André Anderson). Cada um posta a sua mini-saga sobre o tema como COMENTÁRIO deste post. Assim, ficará como uma sequência no mesmo título. Basta seguir as duas regras básicas: início, meio e fim em 50 palavras, nem 49, nem 51.

Abraços esperançosos de ler boas mini-sagas sobre este tema.

Natal: uma celebração a vida

Presépio, neve, virgem, pomba, reis, oferendas, mirra, o Salvador. O Natal é cheio de mistérios, estórias duvidosas, fé, esperanças que se renovam. Melhor crer do que ignorar. Emoção no ar, nas pessoas no coração. Evento religioso? Festa familiar, abraçar a família, os amigos, se confraternizar. Um Feliz Natal para todos(as)!

Memórias da Infância

O vento lhe trouxe memórias da infância, de quando subia no cajueiro para chupar a fruta. Ainda era inocente e travesso quando deixou o sertão com a família em busca do sustento. Voltava para recuperar suas origens, sem saber ao certo se lhe fariam bem. Aquele cheiro lhe fez sorrir.

20 horas de Bike de Brasília

Luiz chegou cedo. Montou barraca (2 quartos, sala, dependências) horas antes do evento começar. Mais tarde o evento, Parque da Cidade, natureza, a certeza de uma boa “vacina” noturna. Era só convencer a “bruxa”. Sujou: chuva, tempestade, inundação. Restou ir dormir no moquifo. Sozinho, fiel, covarde, “cinco-contra-um”!!

Manifesto Anti-inércia

Quando percebeu a situação, paralizou. Foi arrastado pela corrente da vida até aquele momento, vivendo um dia após outro, sem escolher caminhos ou realizar seus sonhos. Se ocupou com irrelevâncias mundanas e deixou de lado o que realmente importa. Arrependeu-se, mas a arma ainda estava apontada para a sua cabeça.

Aos colegas

Foi lendo “O exercício da crônica” de Vinicius de Moraes que tive inspiração para quebrar esse jejum de sagas, meu e dos colegas. Ao lerem, verão, traduzidas em letras, as inspirações que usam para escrever e as desculpas que usam para não escrever. Portanto, antes de chegar às 50, leiam!

Futuro Promissor

Cometia pequenos delitos nas redondezas. Por sua astúcia, suas façanhas ganharam fama entre os mais velhos. Certo dia, roubou jóias e uma arma da maior casa do bairro. Vendeu as jóias e comprou sorvete para sua turma. Aos onze, tinha talento, uma arma na cintura e o respeito da bandidagem.

Com Maiakoviski....

Encontrava Maiakovski à noite, pois as tardes costumava passar com Quintana. De tanto ouvir-lhe, quis visitar Moscou e de tanto ele repetir acabei, também, sendo todo coração, subvertendo minha anatomia, me emocionando intensamente a cada sensação. Agora, o voo do pássaro me lança no ar e me faz gritar: Свобода!!!!!

Mão Amiga

Numa tarde, um pássaro rompe a tranquilidade da sala. Pobre coitado, mais uma vítima da intervenção humana. Com um pano, enrolo meu amigo e o conduzo à liberdade. Admirando seu vôo, imagino uma mão que pudesse fazer o mesmo por mim. Olho para a minha mão. Eu posso, mais ninguém!

Tardes com Quintana II

Divertia-me nas tardes ao lado de Quintana. Ele, com aquele jeito de ancião e menino, me acompanhava sem esforço fosse para o que fosse: peladas, bolinha de gude, escaladas nas árvores. Me relatava suas conclusões poéticas. Um dia disse: "sonhar é acordar-se para dentro". Depois daquele dia, nunca mais dormi.

Tardes com Quintana I

Certa tarde, Quintana me disse: André "o vento é o pastor das nuvens".  Desde então virei pastor de sonhos. Assim como o vento, conduzindo nuvens para derramá-las sobre plantações e alimentar milhões, conduzo sonhos para desaguá-los onde reguem meus desejos e de quem estiver próximo. Quintana era pastor das palavras.

O resgate

Sem saber nadar e nem como venceria a correnteza para realizar o salvamento, lançou-se ao rio. Apoiava-se em pedaços de árvores trazidos pela enxurrada. Quase se afogou. Num último esforço o alcançou. Levou-o até a margem a salvo. Em agradecimento ele lhe lambeu a face e se foi, o cão.

Viúva rica

Entrou sorridente para, finalmente, receber o inventário que se arrastava há anos. Viúva rica, parecia árvore de Natal, tantas jóias e penduricalhos usava.

Nada feito. Mais burocracia, mais tempo!

No auge da frustração, lamentou:

- Ah, Roberto, quantos aborrecimentos. Às vezes até penso que melhor seria você não ter morrido!

Paixão

É roçar suavemente, com a ponta das unhas,
Suas ancas, e senti-la, bem de leve, estremecer.
E ouvir o seu gemido e sentir seu hálito quente
Implorando por um beijo
É desmanchar-se de desejo,
É vibrar intensamente
Penetrar câmara-ardente
Ir sumindo-se lentamente
E morrer morte de vivente

Carcará, o predador...

Carcará ficava de olho, à espreita de uma vítima. A chefa é uma graça, sangue quente e jovem, diria o Conde. Levada ao Parque (da Cidade), violentas paixões, sexo tântrico a sobra das árvores. Sujou, a bandidagem de plantão cobrou extorsão. Policia? Melhor deixar de lado, as expensas do côrno.

Manifesto Setembrino de um Candango

Não enxergo o horizonte de dia. À noite, o vejo alaranjado em chamas. Meu cerrado arde, é maltratado e me maltrata. Minhas narinas sofrem ressecadas e meus olhos irritados. Sinto fadiga nesta seca! Clamo por chuva, céu azul, grama verde e horizonte. Quero que chova até eu não aguentar mais!

Déjà-vu

Admirou aqueles olhos como se já os tivesse visto antes. Não era possível, jamais poderia esquecê-los. De onde os conhecia? Negros como a noite e com o brilho das estrelas, uma expressão forte os envolvia. Desejava admirá-los para sempre. Era sua paixão, mulher da sua vida, mas ainda não sabia.

O dono da asa norte

De carro eu passo pelo balão da 112 norte. Nesse exato momento eu penso nas inúmeras vezes que passei, por esse mesmo chão, de skate, de bicicleta ou mesmo correndo. Todos sabiam quem eu era! Olho para as atuais pessoas e as desconheço. Ah se essas árvores, essas calçadas falassem!

Impulso Psicológico Instintivo Regenerativo

No alto sertão, com o solo castigado e o leito do rio seco, a flor do cacto anuncia a chuva. A esperança inunda o cotidiano sertanejo. As moças sentem-se mais belas, os rapazes mais fortes. O amor floresce, mas como a flor, dura pouco. O suficiente para a vida renovar-se.

Vovó já dizia: "em boca fechada não entra mosca"

Já era motivo de chacota na repartição. Todos sabiam que o Paulão pegava a mulher do chefe. Abusado, todo dia perguntava ao corno: - “a patroa vai bem?” Todos riam às escondidas. Certo dia o Paulão sumiu. Só o chefe sabia do seu paradeiro. Não matou pela traição, mas pela humilhação.

Recomeço

Saiu do fórum carregada de rancor. Vinte anos de casamento ruíram em sofrida separação.

Imersa em memórias, tropeçou, caiu. Uma mão gentil lhe ajudou. Sorriram. Empatia instantânea reforçada por vidas e experiências semelhantes.

Jantar a luz de velas, um beijo, nova e tardia paixão. Puro destino, pois acaso não existe.

Simples Lição

Saiu na jangada com o filho para iniciá-lo nos segredos do mar, do vento, dos cardumes. Quando era ele o pupilo, aprendeu que deveria pescar apenas o necessário para a natureza prover sempre. Infelizmente, a humanidade não aprendeu esta lição. Na jangada com o filho, teme pelo sustento da família.

Éééé campeão!!!!!

Vinte anos de espera, bastava um empate para o Jagunceiros tornar-se campeão. O nome impunha respeito. O revólver do presidente também.

A torcida já comemorava quando, nos acréscimos, um adversário surge livre na área... Foi o pênalti mais escandaloso da década!!!

Precavido, o juiz preferiu apitar o fim da partida!

Cabeça de Vento

Na sua loucura desvairada, andava com o vento, que não era apenas seu guia, mas também seu confidente. A ele contava todas as suas aventuras. Com o vento, fantasiava romances, criava personagens, desvendava conspirações e segredos de Estado. Quando dormia, sonhava com o mundo real, mas tudo era insanamente chato!

O Lado Bom

Acordou leve. Despertou aos poucos e curtiu a preguiça na cama. Parecia até domingo. Ouviu passarinhos, sorriu. Curtindo Beatles, tomou um bom banho e cuidou da barba. Dançou na frente do espelho com espuma no rosto. Sorriu novamente. O mundo estava diferente depois de ontem. Despedido, estava desempregado e aliviado!

Pequeno detalhe

Comandando a máquina, levava seus clientes para cima, para baixo. Ouvia estórias, segredos, tramas, traições, negociatas... Tomava conhecimento de tudo. Seria o homem mais informado do mundo se não fosse por um pequeno detalhe. Nunca sabia TODA a estória. Ou seu início... ou fim. Triste situação a sua... era ascensorista.

Entrevista de Emprego

- Quem foi Lênin?
- Tocava nos Bitles.
- E equitação?
- É quando si paga as dívida.
- O que é plutônio?
- Cachorro du Mickey.
- Fotossíntese?
- Um retratinho 3x4.
- Onde fica o baço?
- Dotô, num umilha! É braço, são dois e fica antes das mão. Num é purqui sô framenguista qui sô inguinorante, né!

Viver intensamente cada dia...

Desperto, banho, café da manhã. Sol forte, dia corrido, trabalho, pausa para o almoço, compromissos, internet, final do expediente. Segue-se academia, musculação, cycling ou ginastica localizada, esforço físico, respiração, coração, suor. Retôrno ao lar, lanche rápido, banho, beijinhos, conversas sobre o dia, cansaço, sono, adormecer. Futuro? Amanhã? Se acordar viverei...

O mundo é lindo, viva o mundo

Fazia sol. O céu azul convidava para um chopp. Todas as gostosas estavam nas praias. Sentei, esperei, no momento certo me aproximei, me apaixonei. Ótimos orgasmos. Lá pelas tantas dormi profundamente. Acordei com o silêncio. Tudo estava destruído. O mundo acabou. Fodeu, não terei para quem contar esta sensacional trepada...

Para quê gritar?

Meu vizinho reza aos brados, clamando por Jesus. Aleluia, aleluia!

Haja pulmão!! Até parece que está ao meu lado!

Talvez não saiba, mas é o coração que deve falar alto. A prece pode e deve ser íntima e silenciosa. Aleluia, aleluia!

Mas para quê gritar? Afinal, Jesus não é surdo!

Reflexão da Insignificância

Numa noite sem lua, admiro o céu estrelado. O brilho de cada estrela iniciou sua jornada há milhares de anos. Umas há mais, outras há menos. Elas desenham um mosaico de diferentes épocas. Aqui deitado, contemplando o infinito passado, encontro minha insignificância presente. Então, para que se preocupar com problemas?

Desceu redonda!

Mais uma vez chegou bêbado em casa. Na bebedeira, ele era sinônimo de violência. Naquele dia, o medo de todos estava estranhamente transformado em gentileza. Na mesa, um copo de cerveja estupidamente gelada. Desceu redonda! Tão redonda que dormiu suave. Acordou com o diabo lhe abrindo as portas do inferno!

Procrastinar

Procrastinar!

Palavra horrorosa!

Horrorosa e poderosa!

Amanhã, o regime começar!

Baita preguiça... para quê caminhar?!

Às críticas, os ouvidos tampar!

Médico? Cadê tempo, agora não vai dar!

Trabalho, nem pensar!

Melhor diversão a estudar!

Problemas? Basta ignorar!

Esquecer as dívidas, fechar os olhos e comprar!

Permanecer no mesmo lugar!

Procrastinar!

Deus lhe pague!

Olhar sofrido, a ferida na perna o impedia andar. Mesmo assim, se deslocava com dificuldade entre os carros, mão estendida, implorando pela caridade. Moeda aqui, outra ali. Deus lhe pague!

Ao fim do dia se afastava para longe dos olhos de todos. Trocava a roupa e voltava para casa... andando!

"Autoajuda" para iniciantes

Estamos sempre a esperar um acontecimento que mudará toda a nossa vida, “a virada”. Esse acontecimento não vem. Na realidade sempre vem, mas não como esperávamos: nossa morte. Logo, aquilo que sempre esperamos já aconteceu: nosso nascimento. O difícil é perceber isso, agora que você sabe, não se mate imbecil!

Comigo é na porrada!

Acordou meio zonzo. À sua volta tudo breu e silencioso. Onde estava? Que puta dor de cabeça! Que cheiro estranho de pólvora no ar.

Valentão do bairro, fazia valer sua vontade na porrada.

Lembrava vagamente da discussão. O outro não se intimidou. Agora era ele quem comia grama pela raiz.

Cabelos brancos

Cabelos brancos, lutava para pegar a bengala caída ao chão.

Um jovem parou ao seu lado e ajudou.

- Obrigado! Minha bengala caiu, não conseguia pegar. Sofro de artrose, dói muito! Curta sua juventude, meu caro, pois a velhice é triste!

Olhos marejados, saiu de lá pensando no sentido da vida.

Motoqueiro

Moto veloz entre os carros. Pancada seca e súbita.

Quando percebeu estava no ar, vida passando em flashback. O vôo até o chão durou uma eternidade em câmera lenta.

Voltou à realidade. Capacete arrastando no chão, mundo pelo avesso. Pow! Vazio na mente.

Acordou com vozes! Deu graças, estava vivo!

Flor do Samba

Era sambista! Cresceu nas melhores rodas do morro e entrou na boemia novo. Com intensidade, amou diversas mulheres. Para cada uma compôs sambas na paixão e na desilusão. Eram muitas. Assim viveu, até conhecer Maria Flor. Para ela compôs os mais belos sambas de amor. Samba triste, nunca mais criou.

Realidade

Desce do jatinho e entra na sua Ferrari negra.

Chega rápido. Sobe ao vigésimo quinto andar de sua empresa.

Olha no Rolex. Faltam poucos minutos para a reunião onde comprará uma grande corporação concorrente.

Assina o cheque de milhões e...

Tu tu tu... De longe vem o som do despertador!

Reza a lenda ...

Que sujeito sortudo! Nasceu virado! Apesar de feio, era mulherengo! Todo rabo de saia arrastava a saia e o rabo para o seu lado. Havia até uma madame da zona sul que, vez ou outra, subia o morro para descer sorrindo. Reza a lenda que, além de grande, era torto.

Titica

Quem viveu a ditadura, sabe o bem da democracia... mesmo com defeitos.

Votei no Arruda, não me arrependo. Que decepção!

Não me iludo. Continuo tentando.

Para que serve um deputado, Tiririca? Por favor, não me conte.

Pior não fica? Tenha dó, pois já ficou, Tiririca... que, aliás, rima com titica!!

Verbete metalinguístico-pleonástico

O que significa "significa"?
"Significa", quando significar o que significa, significa "significa".
Porém, "significa", na ocasião de possuir outras funções que não a de significar "significa", é insignificante, pela quantidade de exemplos de seus significados.
É de significância, todavia, significar a significância de "significa" quando, significando significa, significar outros significados.

Ser botafoguense

Ser botafoguense é acreditar no imponderável. É ser supersticioso. Acreditar que o universo conspira contra nós. É sofrer mesmo ganhando... afinal, tem coisas que só acontecem com o Botafogo. É orgulhar-se de suas glórias e vibrar com vitória. É Nilton Santos, Didi, Gerson, Jairzinho, Garrincha. É amar a Estrela Solitária!

Minha mãe

Mal parecia a mulher vibrante que ali um dia existiu.

Palavras sem nexo. Vagas lembranças do passado. Um nada no presente.

Seu olhar vazio e sem brilho me trespassava como se eu não estivesse ali.

Não era minha mãe. Era um mero corpo que insistia em permanecer vivo.

Doído, chorei.

E tome musiquinha!

Nada irrita mais que reclamar para uma operadora de telefonia.

- Se isso tecle 1, se aquilo tecle 2, se aquilo outro...

E tome musiquinha!

Meia hora depois:
- Em que posso ajudar?
- Graças a Deus estou sendo atendido! O meu problema é...
- Desculpe o nosso sistema está lento...

E tome musiquinha!

Quem sentiu, dirá...

Eu choro compulsivamente!
Não consigo conter minhas lágrimas.
Não há o que possa fazer.
Não é para menos, nunca imaginei que poderia acontecer comigo.
Na verdade, ainda não acredito, não caiu a ficha.
Nem sei ao certo por onde começar.
É muita alegria! Que sorte a minha, ganhar na loteria!

Solução

Pow, pow, pow! Estatelado no chão, o corpo ficou

De barriga pra cima, como acordou.

Mais cedo, sofria com a fome de sua filha, que sua miséria causou.

Saiu decido a acabar com aquilo e, no “comida a quilo”, um prato roubou.

Por tão pouco, o dono a polícia chamou.

Sem Saída

Saiu sem destino. Procurava, sem saber o quê. Seguia, sem saber aonde. Frio e angústia dilaceravam seu estômago. Náusea confundia os seus sentidos. De repente, sentiu calor e uma sensação reconfortante. Uma buzina o despertou. Olhou para o lado e não havia mais tempo. Encontrou a morte, o seu destino.

Sátira da Sinceridade

Charmosa! Mesmo apressada, sua beleza chamava atenção de todos.
Sem assunto, ele arriscou:
- Aonde vai com tanta pressa?
- Agora não posso.
- Mas não terei outra chance.
- Que pena, dá licença.
- Só quero um...
- Impossível, estou com pressa.
- Só uma chance de ...
- Escuta, nada contra você. Só quero ir ao banheiro!

Primeiro Vôo

Suas asas estremeceram. Hesitou! Sempre na gaiola, sequer sabia voar. Naquele dia, a neta de sua dona, como sem-querer, deixou a porta entreaberta. Tomou coragem, suspirou e voou. Sentiu o vento na penugem e o coração acelerado. No entardecer, cantou. Pensou em voltar, mas era tarde. Valia mais a liberdade.

ParaDigna

Observou seu semblante refletido na água da bacia. Sem sorriso, sem brilho. A luta contra a vida era dura. Para tudo caminhava. Não havia no vilarejo escola, hospital ou água. Lembrou-se das promessas dos “doutô”. Tinha camiseta, boné, dentadura. Faltava-lhe dignidade. Na sua humildade, percebeu o valor do seu voto.

O bixo

Vi um homem no Rush do trânsito. Ele gritava, xingava, buzinava... Não fazia distinção entre pessoas e veículos, calçada e pista, placa e poste, verde e vermelho. Quando algo/alguém o contrariava, nem pensava, xingava e logo acelerava.

O homem era eu, era você; o homem, meu Deus, era um bixo.

Zagueiro

Joga sempre de zagueiro, mas tem alma de atacante.
Sempre que alguém lhe grita "volta!"
Replica "um só instante!"
E, na área adversária, tem outro rompante:
dribla o primeiro...o segundo, e o terceiro, confiante.
Na cara do gol não vacila: chute forte, decidido...bola fora!!!
Uma lágrima no semblante.

Do dia seguinte (...e suas consequências)

-Vai, põe pra dentro
-Não sei...
-Toma!
-Tomo... tomo?
-Toma logo essa porra!
-Se não fosse sua cabeça de vento, não precisaria!
(ele olha impaciente pro relógio)
-E além do mais, eu nem queria taaanto assim!
-Ah é?!
-É!
-Pode até ser. Mas duvido que você prefira um filho. TOMA!

Estampido

Acordou, viu o espaço vazio na cama e saiu. Saiu usando a roupa do dia anterior; a novidade era a arma. Comprou cigarros, pão, leite e o jornal do dia. Que eu me lembre, terminou o dia mal, na delegacia ou no hospital. Por tentativa de assassinato. Ou foi suicídio?

Saudade

Entardecer. Meu amigo, esbaforido, avisa: "estão banhando".
Largava tudo e voava pra casa dele. Escalávamos as escadas ouvindo os corações. Depois, silenciosamente, subíamos ao peitoril estreito e, em arriscado equilíbrio, espreitávamos pela fresta da janela. Que visão! Garotas lindas, nuas...banho no quintal.
Ah! Saudade da aurora de minha vida!

Barbeiros

Sempre confiava meus cabelos ao mesmo conhecido barbeiro.
- Moreira está?
- Não. Mas posso cortar.
Desconfiado, aceitei.
Terminado o serviço, espelho por trás da cabeça:
- Ficou bom?
- Não tem um lado diferente do outro?
Breve conferida e a sentença:
- Aqui??? Nããão...é defeito da cabeça!
Pago e saio, arrependido e humilhado.

Sutil Diferença

Em casa, continuou falando. Havia começado quando entrou no carro, saindo do trabalho. Contou todos os detalhes do seu dia. Alguns relevantes, mas a maioria nem tanto. Fofocas do escritório, compras de liquidação, papos de salão. Quando esgotou o assunto, perguntou ao marido como foi o seu dia. “Foi bom!”

Boas Intenções

Deu um tiro para cima. Era metido a xerife da rua. Naquele dia queria acabar com a confusão antes que virasse uma catástrofe. Era um pequeno bate-boca, mas daí prá uma briga era um pulinho, pensou. Só não contava com a trajetória de retorno da bala estragando suas boas intenções.

Adeus

Foram-me deixando aos poucos. Quase imperceptivelmente, no início, como antiga dor ou mágoa, sumindo. Depois, aos montes, como uma desilusão imensurável, foram saindo, deixando saudades e vazio. Um dia acordo e, pasmo, percebo: não estão mais lá. Aonde foram? Por quê? E eu nem lhes pude dizer adeus...meus cabelos!

Erro de Criação

Em sete dias Ele criou a Terra, levaria muito menos para destruí-la. Uma catástrofe bastava, mas queria salvar os bichos da punição aos humanos. Numa alvorada, mais calmo, iluminou-se com uma solução divina. De cada um levaria o egoísmo e deixaria amor ao próximo. Por que não pensou nisso antes?

Escolha Prática

Sextas-feiras só voltava para casa na madrugada. Dava suas escapulidas. No início ela ficava enfurecida, acabou como direito adquirido. Nesta sexta, desconfiado, resolveu dar uma incerta. Quarto na penumbra, Roberto na vitrola. Entrou no susto, na angústia! Ela estava nua esperando. Na dúvida, achou melhor acreditar que era por ele.

À primeira vista

Malandro, gaiato, 171, fazia das viúvas suas vítimas. Na fraqueza as envolvia e estorquia sem dó. Certa vez, no ônibus, avistou aquela que poderia até endireitá-lo. Sussurrou-lhe uma gracinha, levou um chega-pra-lá e um tapa. Desceu embaraçado. Logo constatou que a desgraçada havia furtado sua carteira. Apaixonou-se pela primeira vez.

O Inimigo

Vivente das ruas. Ali dormindo, comendo...ou não. Mas numa delas, por onde sempre passava, tinha seu martírio. Um cão feroz, desalmado, atalhava-lhe o caminho: susto, correria, medo e humilhação. Certo dia não ouviu latidos, rosnados. Pé ante pé...psiu...cão dormindo! Paralelepípedo na cabeça: "quem tem inimigo não dorme".

Vingança de Corno

Aquela angústia o dilacerava. Ele era o corno da vila. Olhares e cochichos seguiam-no aonde fosse. Precisava recuperar sua honra! Contratou uma puta, ninfeta do interior. No bar, tomou uns tragos, deu boas risadas. Na varanda, a comeu para todos ouvirem. Na noite seguinte, a puta estava com seu vizinho.

O convite

Arrependeu-se assim que acabou de fazer o convite. Fez por brincadeira. A cantada mais velha do mundo, ninguém levaria a sério. Ela levou. Agora estavam os dois ali, na garagem do motel. Anos de casado. Sempre fora fiel. Marido exemplar. Imaginou como desistir sem constrangimentos e sem ofendê-la. Não conseguiu.

O tijolo

Devia sua coragem a um tijolo. Diariamente, no caminho da escola, era humilhado pelo grandalhão. Um dia a ofensa foi tão forte que lhe deu coragem. O tijolo foi a primeira coisa que avistou para salvar a honra. Reagiu, enfim. Jogou. Acertou. Assim descobriu ser capaz de conquistar o mundo.

Momento Perfeito

Pai e filho passaram a manhã fazendo uma pipa. O Pai relembrou o manuseio com as varetas, papel, cola, rabiola. Ficou linda, nas cores que o filho mais gostava: azul e amarelo. Tentaram uma, duas vezes. Na terceira, o vento levou o brinquedo. Eles se olharam e sorriram como crianças.

A primeira vez

Nunca tinha fumado, até aquele fatídico dia. Mesmo antes da primeira tragada já sentia saudades de si mesmo. Eram flores e guerras, prazer e arrependimento que repousavam naquele decisivo instante em seus dedos, sem saber. A mão ameaçou tutibiar enquanto a cabeça queria esquecer que já era tarde, tarde demais.

Doce Impermanência

São cinco e quinze, o que terá acontecido? Por trinta e sete anos, desde que se aposentaram, infalivelmente todas quintas, às cinco horas, a campainha tocava e as amigas se cumprimentavam com um abraço delicado. Conversavam sobre irrelevâncias e relembravam o passado. Às sete, se despediam. Hoje, Amália não compareceu.

O Vôo

Olhou para o lado e, sem hesitar, pulou confiante. Estava no alto de uma árvore. Parecia flutuar com o vento no rosto e os olhos fixos no seu destino final. O semblante ainda era de confiança, pois sabia exatamente o que estava fazendo. Carregava seu filho no colo, a macaca.

Nota do Autor:

Escrevi esta mini-saga com um processo criativo diferente. Abri um livro da National Geographic aleatoriamente e da fotografia iniciei o processo de criação.

Fotógrafo: Tim Laman




Vida em Ação

Nasceu, mamou, dormiu, cresceu, acordou, engatinhou, andou, brincou, pulou, correu, caiu, ralou, chorou, levantou, estudou, beijou, ficou, namorou, transou, gozou, curtiu, dirigiu, acampou, trabalhou, mudou-se, formou, apaixonou, noivou, casou, viajou, engravidou, amou, criou, cansou, lutou, economizou, conquistou, chorou, refletiu, conheceu-se, entendeu, arrependeu-se, mudou, viveu, aproveitou, realizou, cansou e enfim morreu.

O Culpado

Chegou apressado, pensando na sesta. Engoliu a comida, deu goles no suco, deitou-se. Acordou antes do despertador cumprir sua missão. Com pressa, procurou sem sucesso as chaves na calça. Culpou cada um, citando motivos insensatos. Olhou a cadeira e viu seu casaco. No bolso, percebeu logo quem era o culpado.