À primeira vista

Malandro, gaiato, 171, fazia das viúvas suas vítimas. Na fraqueza as envolvia e estorquia sem dó. Certa vez, no ônibus, avistou aquela que poderia até endireitá-lo. Sussurrou-lhe uma gracinha, levou um chega-pra-lá e um tapa. Desceu embaraçado. Logo constatou que a desgraçada havia furtado sua carteira. Apaixonou-se pela primeira vez.

O Inimigo

Vivente das ruas. Ali dormindo, comendo...ou não. Mas numa delas, por onde sempre passava, tinha seu martírio. Um cão feroz, desalmado, atalhava-lhe o caminho: susto, correria, medo e humilhação. Certo dia não ouviu latidos, rosnados. Pé ante pé...psiu...cão dormindo! Paralelepípedo na cabeça: "quem tem inimigo não dorme".

Vingança de Corno

Aquela angústia o dilacerava. Ele era o corno da vila. Olhares e cochichos seguiam-no aonde fosse. Precisava recuperar sua honra! Contratou uma puta, ninfeta do interior. No bar, tomou uns tragos, deu boas risadas. Na varanda, a comeu para todos ouvirem. Na noite seguinte, a puta estava com seu vizinho.

O convite

Arrependeu-se assim que acabou de fazer o convite. Fez por brincadeira. A cantada mais velha do mundo, ninguém levaria a sério. Ela levou. Agora estavam os dois ali, na garagem do motel. Anos de casado. Sempre fora fiel. Marido exemplar. Imaginou como desistir sem constrangimentos e sem ofendê-la. Não conseguiu.

O tijolo

Devia sua coragem a um tijolo. Diariamente, no caminho da escola, era humilhado pelo grandalhão. Um dia a ofensa foi tão forte que lhe deu coragem. O tijolo foi a primeira coisa que avistou para salvar a honra. Reagiu, enfim. Jogou. Acertou. Assim descobriu ser capaz de conquistar o mundo.

Momento Perfeito

Pai e filho passaram a manhã fazendo uma pipa. O Pai relembrou o manuseio com as varetas, papel, cola, rabiola. Ficou linda, nas cores que o filho mais gostava: azul e amarelo. Tentaram uma, duas vezes. Na terceira, o vento levou o brinquedo. Eles se olharam e sorriram como crianças.

A primeira vez

Nunca tinha fumado, até aquele fatídico dia. Mesmo antes da primeira tragada já sentia saudades de si mesmo. Eram flores e guerras, prazer e arrependimento que repousavam naquele decisivo instante em seus dedos, sem saber. A mão ameaçou tutibiar enquanto a cabeça queria esquecer que já era tarde, tarde demais.

Doce Impermanência

São cinco e quinze, o que terá acontecido? Por trinta e sete anos, desde que se aposentaram, infalivelmente todas quintas, às cinco horas, a campainha tocava e as amigas se cumprimentavam com um abraço delicado. Conversavam sobre irrelevâncias e relembravam o passado. Às sete, se despediam. Hoje, Amália não compareceu.

O Vôo

Olhou para o lado e, sem hesitar, pulou confiante. Estava no alto de uma árvore. Parecia flutuar com o vento no rosto e os olhos fixos no seu destino final. O semblante ainda era de confiança, pois sabia exatamente o que estava fazendo. Carregava seu filho no colo, a macaca.

Nota do Autor:

Escrevi esta mini-saga com um processo criativo diferente. Abri um livro da National Geographic aleatoriamente e da fotografia iniciei o processo de criação.

Fotógrafo: Tim Laman




Vida em Ação

Nasceu, mamou, dormiu, cresceu, acordou, engatinhou, andou, brincou, pulou, correu, caiu, ralou, chorou, levantou, estudou, beijou, ficou, namorou, transou, gozou, curtiu, dirigiu, acampou, trabalhou, mudou-se, formou, apaixonou, noivou, casou, viajou, engravidou, amou, criou, cansou, lutou, economizou, conquistou, chorou, refletiu, conheceu-se, entendeu, arrependeu-se, mudou, viveu, aproveitou, realizou, cansou e enfim morreu.

O Culpado

Chegou apressado, pensando na sesta. Engoliu a comida, deu goles no suco, deitou-se. Acordou antes do despertador cumprir sua missão. Com pressa, procurou sem sucesso as chaves na calça. Culpou cada um, citando motivos insensatos. Olhou a cadeira e viu seu casaco. No bolso, percebeu logo quem era o culpado.