Poliana

Gosto de apreciar as estrelas e de pensar nelas, brilhantes, longevas, suficientes. Admiro a impermanente beleza quase que infinita desses astros. Vejo apenas o passado sorrindente, pois muitas se apagaram, restando luz no cosmo. É assim que te vejo, Tia. Pura Ornamentação de Luz Infinita, Autenticidade e Natural Altivez. Poliana.

Outros Tempos


Da periferia ao centro, a vila pulsa lentamente. Peleja para acordar e se colocar de pé. Suas ruas apáticas, cheias de passado, mas sem esperança de futuro, carregam um ou outro teimoso que ainda senta no banco da praça para olhar a vida passar. Saudosa de suas vibrantes memórias, definha.

Paßkontrolle

O quepe azul na jaula de vidro dava as cartas. O búlgaro celebrou: "eu passo". O chinês aguardava com as filhas. Ninguém disse que eram chineses, que as meninas com estrelinhas no sapato de plástico o vissem como pai. O quepe azul na jaula de vidro não deixaria essa passar. 

Canário ou Sabiá?

Canário ou Sabiá? Quer poder fazer o outro rir, ou você voar? Ficar preso em sua trama, ou sobrevoar o vento que liberta? Quer o porto monocromático, monótono, ou a paleta do artista e tons do mar? E aí? Quer ficar ou voar? Você é Canário ou você é Sabiá?
Eu admiro pessoas que se amam, que se doam, que sabem o real valor dos seus sonhos. Admiro pessoas que acordam cedo e saem para trabalhar felizes, pois possuem o emprego que sempre quiseram. Eu admiro pessoas que se preocupam e que sabem aproveitar o tempo e os pequenos momentos.

Saudade?

Ela não está em suas primeiras memórias. Nasceu quando tinha cinco anos e roubou-lhe o que tinha. Não floresceu qualquer sentimento de amor ou carinho. Não deu tempo! Gostaria que tivessem brincado no balanço, se escondido atrás da cortina, confidenciado os primeiros amores e dividido as dores. Mas não deu.

Peças da Jornada



Foi acordado pelo sopro da vida. Questionou-se quem era, no que se tornara. Deitada em seu peito, repousava a mulher que um dia amara. Em vão, buscou o exato momento quando os sentimentos e vontades defloraram. De certo, se perderam com aquele estranho, parte dele que um dia também amara.

A árvore

Já vi muita história bem de perto. Casais fazendo piquenique, esbanjando amor para quem quisesse admirar. Vi crianças correndo e me fazendo de balanço enquanto seus pais falavam para tomar cuidado.

Posso ainda dizer que vi os melhores pores-do-sol que Deus pôde fazer, e poucas vezes tiveram pessoas para admirar. 

Chacaltaya

No topo dos Andes tento seguir ofegante, mas falta ar. Paro, fecho os olhos e sigo em pensamento, voando como um condor.

Vejo montanhas nevadas. Vento tocando minhas asas. Sol brilhando dourado na neve. Lá em baixo, me vejo sentado.

Um delicioso e indescritível sentimento de liberdade invade minha alma!

Você

Eu conheço todos os seu sorrisos, todas suas manias e todos os seus cheiros. Conheço você nervoso e carinhoso. Por isso, quero estar ao seu lado quando você chorar de alegria, quando você disser “sim”. Quero aprender a amar seus defeitos e saber te mimar. Fazer suas vontades e te amar.

Escolhas

Você tinha a chave que poderia mudar nosso futuro, mas achou melhor jogar tudo fora por um simples sonho. Achou melhor ir morar sozinha para cantar nos pequenos bares da Lapa e se sentir uma estrela por quase duas horas. Achou melhor usar maquiagens elaboradas, vestidos decotados e partir meu coração.

Você sabe

Eu poderia fingir que você nunca fez parte da minha vida. Mas você precisava estudar na mesma sala? Ou ainda ter me trocado por uma pessoa qualquer? Gostaria de saber o que eu fiz para lhe afastar de mim. Você sabe que eu não sou tão anti-social assim. Você sabe. 

Bola pra frente!



Para quê entender o passado?!

O amor infiel, o sonho frustrado, o empreendimento falido, o amigo que lhe ignora... Para quê tentar entender? Para quê buscar explicação?!

O que passou não voltará. E não tem como mudar! As coisas passam e devemos deixar que possam ir embora!

Bola pra frente!

Cheiro de Volúpia

Cego de nascença, cresceu no salão da mãe. Conhecia as mulheres pelo cheiro. Quando entravam, seguia o rastro e escutava suas histórias. Algumas vezes lamentava a falta destas, eram mulheres recatadas com perfume floral. Gostava das que usavam salto e exalavam volúpia. Elas contavam detalhes que lhe tiravam o sono.

Resigna

No caldo do feijão sem gosto, o arroz sobrava. Após um dia de lida, era a única opção à mesa. Da cabeceira, o pai observava o seu mais novo, com o semblante mais triste do que a idade lhe permitiria. Evitavam palavras, temendo conflitos. Evitavam olhares, aflitos. Resignados, lutavam, prosseguiam.

Doce Saudade

Quando sinto saudades, fecho os olhos e chupo jujuba, que é doce e colorida como ela. Seu enredo me amarra como teia nova de aranha velha. Palavras seriam inócuas para explicar meus sentimentos. Sabe aquela poesia pra cima que ouvistes de mim. Pois é, foi ela que a deixou assim.

É pecado?!




Era a terceira seguida naquela noite e ela ainda queria mais. Uma ruiva verdadeiramente insaciável!! Uma ninfomaníca! Tento escapar dos seus braços. Rolo e caio da cama!

Acordo melado e com “ele” apontando pro teto. Ao meu lado, minha esposa dorme placidamente.

E fico pensando: trair em sonho é pecado?!


Percalços de um Tímido Apaixonado

Por um instante, hesitou. Preferiria ter morrido a estar diante dela. No espelho, parecia confiante, mas ali já não estava tão seguro. Buscou a fala passada e repassada, mas travou. Percebendo, ela sorriu e lhe tocou a mão com os dedos. Em explosão, beijou-a ardentemente com o coração na boca.

CENA   CURTA


Num canto lúgubre,
tece sua teia, a ardilosa aranha.
Trabalha incansável, como a antever uma recompensa.
Instante depois, cai por sobre o lençol de renda, descuidada mariposa.
Debate, em vão, as delicadas asas.
Consumado está, o tento.
Quem antes rodopiava, airosa e intrépida em torno da luz,
descansa agora no leito cuidadosamente preparado.

Vida


Jazida dantes, acobertada pela aconchegante areia
emerge agora a pequenina tartaruga.
Aquele é o momento.
Longo é o percurso até a orla.
Não cabe titubear ante a incontroversa natureza.
Qual corcel, se apresentam as tumultuadas ondas...
E se consuma, então, o sôfrego abraço...
Agora é entre ela e o mar.

Inícios, Meios e Fins

Germina-se absolutamente primaveril, com perspectiva, forma e linguagem poética. Calca-se em sentimentos incertos e explosivos. Cresce previsível, tal como o verão e o inverno. Acomoda-se largo, como a tampa do fosso em concreto. E finalmente, sublima-se em plenitude. Como é sábia a natureza e os seus inícios, meios e fins.

Só hoje

Hoje acordei querendo escrever,
Acho que foi de tanto te ler, de tentar te entender.
Hoje acordei sem querer...e pensei te rever.
Em algum lugar tua lembrança dormia, crescia, à minha revelia.
Caí num sono profundo, sonhei coisas do teu mundo, parei de respirar.
Hoje, eu não quero acordar.

O que sou

Tentando, como Zé Ramalho, encontrar “a chave de mim”, e, como ele, “sem querer saber quem sou, pois tenho medo”, pensei:
Conheço-me mais do que gostaria e menos do que preciso.
Ninguém tanto a si engana, assim tão completamente,
Que não possa reconhecer quando ama
Ou que possa amar eternamente.

Seguindo adiante

Vez ou outra, caminhava pela beira do rio, como se acompanhasse a correnteza. Seguia no curso, mas como se estivesse sem rumo. Sempre pensativo e com olhar distante. Os poucos que o conheciam, sabiam sua história, mas evitavam comentar. Desejavam intimamente o seu bem. Para isso, bastava que se perdoasse.

Endereço Errado

Havia tempo tinha se mudado do bairro, mas ainda alongava o caminho de volta para casa para passar na padaria, cortar o cabelo, comprar frutas e até mesmo jogar dama com os amigos do passado. Após 26 anos no novo lar, sequer conheceu o vizinho de porta. Não se perdoava!

Um tempo, esse

Um pensamento vive a me rondar:
Se, a partir de hoje, eu recomeçasse minha vida adulta
aos setenta anos eu teria vivido quase o mesmo número de anos
que até agora vivi! Não é extraordinário?!
Pensei nisso aos quarenta...e nada fiz.
Hoje, aos cinquenta, torno a pensar...e não sou feliz.

Sete vidas

Adorava velocidade e se arriscava no trânsito! Era bom de garfo e de copo. Choppinho rimava com cigarrinho. Não dispensava um bom “barrufo”! Sexo seguro é como chupar bala com papel. Suas amizades não tinham currículo, mas “Ficha Corrida”.

Só se esqueceu que quem tinha sete vidas era o gato!

Encerrando ciclos

É preciso saber quando uma etapa chega ao final...

Foi frustrante, dolorido, triste, mas tenho que fechar essa porta. Largar o passado. Levantar a cabeça. Dar um passo adiante.

Mais à frente o futuro me espera. 

Qual será? Não sei, mas certamente me reservará um mundo novo, repleto de possibilidades.

Frustrado, mas feliz!

Saaaan-toooos! Éééé campeão!!! Estou vibrando! Gozo o corintiano ao lado! 1x0... pro outro time! Ainda há esperanças! Bola na trave... respiro aliviado! 2x0! Afundo na cadeira! Caraca, mas que baile! 3x0! Será um looooongo jogo! Rôo as unhas! 4x0! Fim de jogo, respiro aliviado! Podia ter sido pior! BEM PIOR!

Resoluções de Ano Novo

Fazer mais exercícios.

Cuidar da saúde.

Fechar a boca, emagrecer.

Beber menos.

Evitar gastar com supérfluos.

Não paquerar a vizinha do 302.

Dedicar mais tempo à família.

A lista estava pronta, mas nada do que ali relacionara era novidade. Repetia a de 2010. Palavras ao vento daqui a três meses!

Natal

Doze badaladas!

Olhou a mesa farta e pensou nos filhos ausentes. Deles não sentia falta, mas doía a saudade dos netos.

Depois da ceia, abriu o presente que se dera.

Com champanhe, brindou à memória da esposa que se fora.

Qual seria o verdadeiro sentido do Natal? Não soube responder!

Delicioso Conflito

Quando sorri e abri meus olhos, ela já havia partido. Eu estava feliz demais para esconder aquele sorriso! Após o êxtase, preocupei-me com a sua reação. Teria sido de dúvida ou de repúdia? Aaahhhh, não interessava! Sentia-me apenas um miserável do amor curtindo o delicioso conflito de um beijo roubado.

171

Terno de grife, barba feita, sapato de pelica. Parecia um lorde na fila do banco. Celular no ouvido, tudo observava.

No caixa eletrônico, uma velhinha lutava para sacar sua pensão. Sempre solícito e gentil, ofereceu ajuda. Memorizou a senha, trocou o cartão.

O parceiro, avisado, completou o golpe lá fora.

A Inveja é uma Merda!

Tênis novo, calça de grife, camisa aberta no peito mostrava o colar de prata... e o revolver na cintura. Desfilava cheio de si, mostrando a todos um maço de notas de cem. O dinheiro fácil do tráfico subira à cabeça. Pow! Pow! POW!!! Inveja, como se diz, é uma merda!

Riscos

Gostava de viver perigosamente, então escrevia e-mails como quem escreve poesia. Rodopiava, escrevia palavras dúbias e ironias. Até que desinstalou seu antivírus. Era o risco maior que conseguia correr! Na postagem seguinte acrescentou: esta mensagem NÃO foi verificada pelo sistema antivírus e acredita-se que ninguém está livre do perigo! Sorriu.

Força do Outono

Era outono no pequeno vilarejo ao norte de Lisboa. As castanheiras despiam-se apressadas, como se no afã da primeira vez. Em uma praça pública, a senhora varria as folhas de uma árvore de copa generosa. Ao deleite do vento, seu esforço era em vão, não vencia a força do outono.

Mil Lágrimas

Fui espelido pelo útero de uma mãe amarga, que cultivava a mágoa de um amor nocivo. Cresci reduzido por adjetivos sórdidos, tratado a sova por membros e utensílios numerosos. Aprendi a conviver com o grito, sem direito a qualquer resposta. Nem por isso me tornei oblíquo, sequer tornei-me um roto.

Espelhismo

Fixou ansiosamente o olhar no fundo do espelho e viu uma linda donzela passar furtivamente. Apaixonou-se. Cortejou-a longamente. Um dia, ela saiu do espelho. Era frívola, mandona, mesquinha, ciumenta, cheia de exigências, implicante, suarenta e péssima na cama. Durou pouco. Ele entrou no espelho e nunca mais saiu de lá.

marcos palacios

O BURACO DO AMOR


O carro da família quebrado foi andando para escola. Na pressa, distraída, caiu no buraco da esquina. Um rapazinho pouco mais velho do que ela, ajudou-a a sair. Limpou seus joelhos, enxugou suas lágrimas, beijou-lhe as mãozinhas. Foram andando juntos para escola. Hoje, vinte anos depois, continuam andando juntos. Felizes.

Clarice Novaes da Mota